Ocupar e Resistir para Continuar a Existir

Relatoria de participação no X Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros – COPENE , realizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN na Universidade Federal de Uberlândia – UFU, nos dias 12 ao 17 de outubro de 2018. 

Desde os anos 2000, o COPENE vem acontecendo. Este ano ocorreu na cidade de Uberlândia em Minas Gerais, evento significativo em um momento de tensões políticas, em uma cidade com territorialidades negras e brancas bem demarcadas, e comemoração da festividade de matriz africana representada pela Congada. O X COPENE, intitulado: “(Re)existência Intelectual Negra e Ancestral”, teve uma inscrição de mais de 2000 pesquisadores, sendo reconhecido o maior que já se teve durante estes 18 anos. Faz-se crer que as reivindicações do movimento negro e as políticas de ações afirmativas estão servindo para a reparação social gradativamente. Simultaneamente ao congresso acontecia também o I Simpósio Nacional de Educação Básica ABPN – SINEB, com o objetivo de discutir a formação de professores e a reeducação escolar a partir da educação das relações étnico-raciais em virtude de um “epistêmicidio” de outras sociedades. Pensando a formação social e territorial brasileira, vai da supressão histórica das populações indígenas e afro-brasileiras em detrimento da manutenção e enriquecimento da história europeia e do ponto de vista europeu. O COPENE além de evidenciar o movimento teórico da população negra, se materializa em forma de corpos negros em um território institucional e majoritariamente branco que é a universidade e o acesso à educação superior. Nunca havia visto tantas pessoas negras juntas em situação de pesquisadores em um único espaço-tempo. O foco desta redação será direcionado aos espaços frequentados sobre a formação de professores, o conteúdo eurocentrado da rede educacional brasileira, e as geografias negras e relações raciais produzidas. Momento histórico, marcado pela territorialidade negra na ciência brasileira, a abertura do evento é realizada por Kabenguele Munanga questionando “até que ponto as reivindicações universitárias são coerentes com as necessidades da população?”. A proximidade da ciência, dos pesquisadores universitários, deve se estreitar às bases populares, o pesquisador deve ter “um pé na militância, e um pé na academia”. Momento também de decisão política, esteve também presente a deputada federal do Rio de Janeiro Benedita da Silva, quem denuncia “não aguento mais. Parem de alienar mais a nossa raça!”. No debate sobre a formação dos professores alguns questionamentos: Que formação nós temos desenvolvido? Que história está sendo ensinada? História de quem e o que ela implica na vida dos sujeitos? Os currículos devem refletir os alunos que recebemos ou os alunos que se criam institucionalmente? São as(os) professoras(es) que estão no ‘chão da escola’ todos os dias que saberão responder e poder opinar por melhorias na educação, por isso a necessária constância nos cursos de formação de professores. Dos relatos de experiências vivenciados todos os dias, podem ser combustíveis para a produção de materiais didáticos e relatos de experiência diária com o sistema educacional brasileiro que relacionados com as pesquisas da universidade e das políticas e assistência das secretarias de educação poderiam alçar um panorama complexo e geral do funcionamento do sistema educacional, pensando suas falhas e melhorias. Como o racismo impacta na vida cotidiana dos estudantes e pesquisadores? E como nos organizar em micro-redes para manter a produção de nossas reivindicações? A promulgação da Resolução nº 2 de 2015 já faz exigência do vínculo e articulação das universidades, secretarias de educação e rede básica de ensino. Foi identificada a necessidade de oferta de disciplinas sobre história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena nos cursos de licenciaturas, 66,4% das licenciaturas são ofertadas pelas universidades. O conteúdo educacional proposto até os dias atuais tanto no currículo formal quanto no currículo das práticas sociais nos ambientes escolares nos permitem questionar: Como estamos localizado  mentalmente/psicologicamente sobre os conteúdos escolares e sobre nossas práticas escolares? A visão e valores das perspectivas europeias (greco-romanas) são os que se evidenciam e sobressaem socialmente. O eurocentrismo nada mais é que a universalização da educação para que os termos europeus se apliquem a qualquer sociedade, ignorando a diversidade e diferenças. Uma forma de falar de outras realidades sem se apropriar dos valores sociais de cada localidade. Porém, tenhamo em conta que todo e qualquer sujeito só pode compreender o mundo através de suas próprias referências. A ‘superioridade’ que é construída sobre o nome de cultura ocidental está vinculada à ideia de formas avançadas de governo, ou seja, à burocracia e institucionalidade. Como se a forma avançada de governo fosse de origem grega. A partir do século XIX surge o “problema” que o Egito que fundamenta a cultura grega. Mas, os egípcios são negros, então, buscou-se formas de separar o Egito da África, e se branqueou a civilização. Assim, vão se criando mecanismos para manter a população negra em condições desumanas para fundamentar um falso determinismo humano e geográfico. O sistema educacional brasileiro acaba por ser fruto de uma política eurocêntrica e racista, em que os idealizadores, Rui Barbosa, Anísio de Abreu, Renato Kehl, José Verissimo, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Dermeval Saviani, são influenciados pelo pensamento social racista e europeu, seguindo os ‘pensadores’ Hume, Kant, Hegel, Locke, Jaeger, Montesquieu, Heródoto, Spencer e Dewey. Os três primeiros que escreveram sobre o continente africanos, mas nunca estiveram por lá. A educação é compreendida como inata da civilização ocidental, e para os não-europeus não resta outra alternativa senão o seu embranquecimento através do sistema de ensino. O eurocentrismo é então tomar o modelo ocidental greco-romano como norma superior. Estamos à todo momento em um jogo de disputas, é importante que identifiquemos e melhoremos nossa comunicação, nossas mudanças e metodologias utilizadas. O sistema de ensino, o mundo da pesquisa, a extensão, necessitam de rasuras, de serem reescritas. Há a necessidade de um enegrecimento da geografia, repensar a historiografia e ‘desnortear’ as ideias. Isso é propor uma geografia negra, pensar o negro a partir de si próprio (Guerreiro Ramos, 1995), sob o método ‘desde dentro’ com propostas antirracistas, pois as “questões negras são questões espaciais”1. Este foi o primeiro COPENE com uma sessão temática exclusiva da Geografia, denominada ‘Geografia das relações étnico-raciais e Geografias negras’, transitamos por três vertentes, das geografias negras, das relações raciais e da geografia da África. O corpo negro nos espaços institucionalmente e socialmente definidos para brancos causam transformações espaciais, paisagísticas e sociais. Os territórios negros devem ser georreferenciados e historiografados. Dos 101 cursos total de Geografia pelo Brasil, 30 (29,7%) tornam obrigatórias as disciplinas de áfrica e relações étnicorraciais, 13 (12,9%) tais disciplinas são optativas 13(12,9%) não possuem informações, 45 (44,5%) não possuem a disciplina2. Nós lutamos pelo território para que o nosso corpo possa existir. As ações afirmativas são formas de repensar a ciência que realizamos no Brasil. Ocupar espaços que são epicentros do poder são mais que necessários. Vivenciando o momento de obscurantismo da atual política, a necessidade de ocupar e resistir nesses espaços são de fundamental importância, além da organização social e formação de base pela reeducação das relações étnico-raciais, e igualdade social e de gênero. Talvez uma ‘Educação Quilombista’ seja uma alternativa. Para começarmos, algumas referências indicadas: Ama Mazama; Cheikh Anta Diop; Xenia Walker; Samoya; Antenor Firmin; Katarine Macktrik; Ruth Andrelino Campos; Antonia Garcia; Eduardo de Oliveira; Milton Santos; Renato Emerson; Geny Guimarães; Diogo Cirqueira; Ricardo Benedicto.


Redigida por
Andréa Penha
(AGB/SL Cuiabá